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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mimos de Natal e acertos de amado

Neste meu derradeiro artigo do ano, entremeando o natal e a virada de 2011 para 12, exponho mais uma inquietação: verba pública para segmentos e/ou eventos ditos religiosos. 

Começo por Mato Grosso. Por aqui, oficialmente, desde o dia 20/11 cultivou-se o clima natalino. Para ser exato, a Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social realizou um “show” (palavra que fica na conta dos promotores e não na minha) na Praça das Bandeiras. 

O evento dera início a uma campanha de caridade – que é diferente de solidariedade – que objetivou arrecadar alimentos aos excluídos, obviamente, pela inexistência e/ou insuficiência de políticas públicas, de responsabilidade do próprio Estado. Desumano. Mas vá explicar essa desumana obviedade aos apreciadores desse tipo de “show”. Palavras ao vento. 

Detalhe: o tal “show” ocorreu no feriado destinado à lembrança da luta de Zumbi. Foi um sururu. Líderes mais conscientes de movimentos negros estavam bufando, pois, embora agentes públicos dissessem que o empresariado pagaria a conta, o fato é que o crédito a essas falas era nulo. Não havia quem tirasse das mentes críticas – de negros, brancos e outras – que o Estado estava, sim, financiando gastos inúteis. 

Depois daquele pontapé natalício, a mesma Secretaria promoveu o tal auto de Natal. Prometiam-se até animais adestrados. Não sei do resultado artístico do evento. Presenteei-me com a ignorância disso. Simplesmente, desdenhei tudo aquilo não por, necessariamente, acionar apelos religiosos, mas por entender que o Estado é laico; por isso, não deveria promover nada nesse sentido. Que as religiões cuidem das religiões. 

Seja como for, para a realização desse último evento, havia a expectativa de que tudo fosse pago por meio da Lei Rouanet. Pelo sim pelo não, o fato é que no apagar das luzes de 2011, no último dia 20, em regime de urgência (!?!), o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei (PLC) 27/2009, que altera a Lei 8.313/1991 (Rouanet), para reconhecer a música gospel e os eventos relacionados ao estilo como manifestação cultural. 

Em outras palavras, tudo ficou como o diabo gosta: o Estado, ao abrir mão de impostos de empresas, financiará os mega-shows do tipo. Santo Deus!!! Essa aberração (inconstitucional em estados laicos) depende apenas da sanção presidencial; ou seja, é aquele véu medieval envolvendo tudo, todos. 

Em minha leitura política, esta é a contemporaneidade mais retrô de que se tem conhecimento na história da humanidade. Que débito cultural com as futuras gerações! Que paradoxo, pois tecnologicamente somos de ponta, mas parece que estamos de ponta-cabeça. 

Em termos de informação óbvia, gospel (no inglês, contração dos “God” e “spell”: “fala de Deus”) denomina o estilo musical que busca expressar a fé cristã, com ênfase nas tendências evangélicas. 

Pois bem. Em momento tão “democrático”, de que se diz respeitar todas as expressões ditas culturais, isso é mais um flanco que se abre para novas e infindáveis demandas. A partir de agora, todas as tendências religiosas, até as não-cristãs, podem correr atrás de tratamento igual, em termos de Constituição. Enquanto isso, o Estado – que deveria cuidar das políticas públicas – vai tendo orçamento cada vez menor para suas reais obrigações: saúde, educação... 

Éh, velho e Amado Jorge, tinhas razão já em 1930. Está difícil viver no País do Carnaval; e do Natal, e da Páscoa... E não adianta ninguém me mandar embora. Não vou; afinal, se correr..., se ficar... 



* ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA SÁ, dr. em Ciência da Comunicação/USP e prof. da UFMT 

rbventur26@yahoo.com.br 

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